Blue Submarine No. 6. Uma aventura distópica nas profundezas do oceano.



Hoje, diretamente do final do século XX, apresento-lhes uma obra na qual alguns leitores do blog podem lembrar de terem assistido no finado canal Locomotion, no início dos anos 2000. Blue Submarine No. 6, uma aventura submarina em um futuro distópico, onde a maioria das cidades foi submersa por obra de um cientista, com direito a batalhas navais, mutantes e uma controversa utilização de elementos 3D.

Blue Submarine No. 6 ou Ao no 6-gou, no original em japonês, é uma animação composta por 4 OVAs (Original Video Animations) lançados de outubro de 1998 até março de 2000, possuindo em média 30 minutos por episódio, sendo a obra de estreia do famigerado estúdio Gonzo. A obra foi baseada no mangá de mesmo nome de autoria de Satoru Ozawa, publicado em 1967. Blue Submarine No. 6 foi dirigido por Mahiro Maeda.


Blue Submarine No. 6 foi exibido no Brasil pela extinta emissora de TV a cabo/satélite Locomotion, especializada em animes, a qual encerrou suas atividades em 2005. Este anime é relativamente lembrado no Brasil pela exploração excessiva da emissora Locomotion, a qual exibiu a animação por incontáveis vezes de 2000 a 2005, seja seus episódios separados ou em uma versão filme. Parecia até o filme Lagoa Azul na sessão da tarde. Também sendo lembrada pela dublagem de qualidade duvidosa.

Confesso que apenas assisti a obra recentemente, mas já a conhecia devido ao trabalho do artista que criou o character design de Blue Submarine No. 6, Range Murata, que já deu as caras no blog em: Futurhythm - Range Murata e o ritmo do futuro. Justamente foi o belíssimo trabalho de Range Murata, que é um dos melhores ilustradores do Japão, que me motivou a assistir Blue Submarine No. 6. Como sabemos, a qualidade do desenho original se perde para facilitar a animação, então eu deixo uma amostra dos desenhos originais de Range Murata para Blue Submarine No. 6:




Blue Submarine No. 6 é a obra de estreia do Estúdio Gonzo em termos de animações, considerando que, até então, apenas trabalhava com games, explorando especialmente o uso de gráficos em terceira dimensão. Para marcar essa estreia, e chamar a atenção, o estúdio investiu em uma obra que misturasse elementos de animação em 2D com elementos 3D, o que hoje está cada vez mais comum. Só que, na época, era algo inovador e bastante polêmico.

Assistindo Blue Submarine No. 6 é possível verificar que animação melhora no decorrer dos episódios. No início é difícil se acostumar com os elementos em três dimensões, alguns bastante feios, como os robôs-crustáceos que atacam os humanos. Por sorte, estes elementos se resumem às criaturas mais monstruosas, como as baleias-submarinos, sendo os personagens humanos e os híbridos humanoides integralmente em duas dimensões.



Os gráficos 3D são ainda utilizados em certas cenas do movimento da água do mar e principalmente nas cenas de batalha naval com os submarinos e outros equipamentos. A animação é um pouco confusa as vezes, já que corta abruptamente de um cena com gráficos 3D para uma em 2D. Quanto aos gráficos 2D eles são bem utilizados, a animação é relativamente bem fluída para a época, além do character design ser bem bonito, como era de se esperar de Range Murata.

Justamente o uso em grande escala de gráficos 3D foi o calcanhar de Aquiles de Blue Submarine No. 6, o ponto onde se concentraram a maior parte das críticas. Se até hoje em dia, em pleno 2016, há quem torça o nariz com gráficos 3D mal colocados em um anime, imagina em 1998! Embora, eu deva ressaltar que para a época os elementos 3D estavam relativamente bons, nem o PlayStation 2 havia sido lançado no mercado ainda.


Até mesmo hoje em dia, quem assiste estes OVAs geralmente torce o nariz para os gráficos 3D utilizados, mas se deve por a mão na consciência e se lembrar de que o anime é de 1998, limitado pela tecnologia gráfica da época. A obra deve ser analisada em seu contexto. Mesmo assim, afirmo que Blue Submarine No. 6 seria muito melhor se apenas utilizasse a clássica animação em duas dimensões. Mesmo hoje, que há alguns animes integralmente em três dimensões bons, a animação clássica ainda é soberana.

A trilha sonora é outro problema, sabe-se que a música tem o poder de produzir emoções no ouvinte, seja alegria, melancolia, raiva, apreensão, etc..., e quando a trilha sonora não se encaixa em certo momento da animação causa uma grande estranheza. Blue Submarine No. 6 peca nesse quesito, onde já se viu colocar uma espécie de jazz suave em todas as cenas de ação! Claro, há específicas ocasiões em que uma trilha sonora estranha ao momento de uma obra fica interessante, mas não é este o caso, somente consegui ficar irritado.


Quanto à obra em si, em resumo, sua história se passa em um futuro distópico, com o planeta Terra devastado e quase totalmente coberto pelas águas. Toda essa destruição foi causada pelo cientista de nome Zorndyke, que logo de cara custou a vida de 1 bilhão de pessoas, se tornando, obviamente, o inimigo número um da humanidade. Só que ele não parou por aí, criou também diversos seres híbridos entre pessoas e animais, principalmente marinhos, com a intenção aparente de destruir o que sobrou da raça humana.

Nesse contexto, acabou eclodindo uma guerra entre os humanos restantes e os seres criados pela engenharia genética do Dr. Zorndyke. A força restante de resistência dos humanos se concentra majoritariamente em submarinos de tecnologia avançado, sendo o mais famoso, e que nomina a obra, o No 6. Temos dois protagonistas, Hayami Tetsu e Kino Mayumi. A história começa com a missão conferida à novata tripulante do submarino, a jovem tenente Kino, de tentar chamar de volta ao serviço o misantropo Hayami Tetsu.



Hayami Tetsu era um competente tripulante, sendo o melhor piloto dos mini-submarinos de batalha, chamados Vessels, e peça-chave na resistência da humanidade. Entretanto, ele percebeu que a guerra entre terra e mar era algo que não tinha futuro, a não ser a destruição de ambos os lados, e que era inútil ele se engajar em qualquer batalha que fosse. Sendo assim, abandonou a marinha e passou a trabalhar por conta própria como coletor de materiais no fundo do oceano, vivendo em um prédio semidestruído em estado que beirava a mendicância.

Kino, ao contrário, é a comum personagem que possui toda a força de vontade possível e confia na vitória da humanidade sobre a calamidade que a assolou. Ela tenta vencer a resistência de Hayami entregando o comunicado do comandante do submarino para que ele retornasse ao serviço, já que faltava pouco para a investida final da humanidade contra o povo do mar. Primeiramente ele nega, mas aos poucos a insistência emocionada de Kino consegue atravessar a barreira de Hayami, convencendo-o a se juntar ao grupo.



Neste contexto se desenvolve os eventos de Blue Submarine No. 6, que, aos poucos, vai se aprofundando no conhecimento do passado de Hayami e Kino. Além disso, é no decorrer do anime que vão sendo mostradas as razões e motivações do Dr. Zorndyke, que o levaram a destruir o mundo como conhecemos hoje. Além disso, discussões sobre as motivações dos protagonistas de continuarem lutando e o desfecho da guerra entre terra e mar, são pautadas pelo clássico questionamento sobre quem está certo ou errado nessa guerra.

Aviso que, daqui para a frente, é possível que haja alguns spoilers moderados.

Blue Submarine No. 6 se passa justamente em um momento decisivo da guerra entre terra e mar, onde o povo do mar prepara sua última investida contra os seres humanos por meio de um mecanismo que mudará o eixo magnético da Terra. Nesta tentativa, os seres humanos formam uma frota armada poderosíssima, com ogivas nucleares, e pretendem atacar a base de operações do Dr. Zorndyke, na Antártica, objetivando por um fim em suas ações.



O Dr. Zorndyke, por sua vez, é o clássico "vilão", se é que assim ele pode ser chamado, visto suas motivações nobres. O doutor nada mais é do que um calmo e sereno cientista, que, cansado da destruição causada pelo ser humano, tanto da natureza quanto de si próprio, resolve acelerar a natural destruição que os humanos vivenciariam no futuro, realizando um "novo começo". Assim sendo, nesse novo mundo, seus híbridos seres, mais bem adaptados ao ambiente, poderiam propiciar um novo começo para a história da Terra; um retorno às águas primordiais dos seres vivos.

Confesso que simpatizo com esse tipo de argumento, pois sem dúvidas é bastante sensato. É óbvio que, para o planeta Terra, seria muito melhor a total destruição da humanidade, pois quantas espécies de seres vivos são extintos todos os dias devido a ação dos seres humanos? Só que isso bate de frente com o instinto de sobrevivência da espécie, e não há como desconsiderar o direito dos seres humanos de tentarem sobreviver a qualquer custo. Blue Submarine No. 6 trata bem esta dicotomia, mostrando que, mesmo nesta situação, os seres humanos continuam destrutivos, não pensando duas vezes em utilizar armas nucleares contra seus inimigos.



Kino peca um pouco como protagonista, sua função se resume em dar ânimo e motivação para Hayami lutar, além de ser a clara personificação do clamor das massas. Ela sente um ódio terrível pelo Dr. Zorndyke, pois, assim como maioria das pessoas, perdeu familiares e amigos com o cataclismo global e conclui logicamente que a sua destruição seria a única solução para as calamidades humanas.

Hayami, mesmo possuindo uma personalidade explosiva, embora pessimista, é um dos poucos que enxerga com clareza a situação da guerra, sem se deixar levar pelas fortes emoções de revanchismo que abarcam quase a totalidade dos seres humanos sobreviventes. Ele também é o primeiro a perceber que é possível uma convivência pacífica entre os seres humanos e os seres do mar, e tenta impedir a destruição mútua das espécies.



Como já mencionado, Blue Submarine No. 6, além de abordar a guerra em si, também aborda algumas questões éticas, como quem o questionamento de quem estaria realmente certo na guerra, e se é realmente necessário destruir seu inimigo até o último indivíduo possível. A animação explora bastante este aspecto, entre a guerra total e uma possibilidade de convivência pacífica com os inimigos. A primeira mostra de cooperação entre os inimigos ocorre durante o encontro entre Hayami e a criatura aquática, uma nereida, chamada Mutio, visto que Hayami salva a vida de Mutio, e, posteriormente, ela o salva também.

Para o desprazer do Dr. Zorndyke, suas criações se tornaram praticamente humanas, nutrindo os mesmo sentimentos destrutivos que caracterizam o ser humano! Então, um novo dilema se instaura: como criar um novo começo com criaturas igualmente destrutivas? Mutio é a quebra do paradigma, pois é a primeira entre os de sua espécie que demonstra a possibilidade de haver uma cooperação mútua para a sobrevivência de ambos os lados da guerra. A mais "humana", no sentido psicológico de suas criações é Verg, um híbrido de tubarão e capitão do "Navio Fantasma", um enorme híbrido entre um navio de guerra e uma baleia (a mais destrutiva arma contra a humanidade).



Verg pode ser considerado o antagonista da série, o "vilão" que confronta diretamente os protagonistas, possuindo uma personalidade infantil. Seu único desejo é destruir todos os seres humanos, os quais são os inimigos do povo do mar. Até mesmo seu criador, o Dr. Zorndyke, tenta refrear seus instintos destrutivos, sem sucesso, visto que prioriza uma mudança global mais progressiva sem tamanha destruição. Verg é o retrato do ser humano entre os híbridos.

Embora seja possível desenhar um quadro geral das motivações dos personagens, os objetivos do Dr. Zorndyke ficam um pouco confusos, não se sabendo ao certo o que ele queria com tudo isso. Destruir todos os seres humanos simplesmente, ou apenas testá-los, mediante extermínio da maior parte deles para que aprendam a cooperar e começarem uma nova existência menos egoísta e mais pacífica, aprendendo também a conviver com outras espécies inteligentes, ou seja, os híbridos do professor. Ou seja, existe na história uma dúvida diante da possibilidade de dúbia motivação: destrutiva ou educacional?



Entretanto, quanto questionado sobre qual seria sua verdadeira motivação, o Dr. Zorndyke não fornece uma resposta concreta. Verifica-se, também, que o povo do mar teve que aprender a cooperar com os humanos e não somente destruí-los. Embora se chegue a conclusão que este é o único objetivo deles, alguns seres ao longo da trama se mostram contra esta perspectiva. Na base de operações do Dr. Zorndyke, na Antártica (agora de clima tropical), vive o ápice de sua criação, um povo híbrido de aparência indígena e amigável, vivendo numa sociedade um tanto primitiva, marcada pelo companheirismo e pacifismo.

Diante disto, surge a indagação, eles merecem morrer? Eles pediram para serem criados? São como os seres humanos, impostos a uma existência pela qual não tiveram opção de escolha. Mesmo que o Dr. Zorndyke tenha cometido atrocidades, os seres híbridos criados por ele devem ser destruídos simplesmente por culpa do seu criador? Eles também não merecem o direito de lutarem por sua existência? Além disso, de que adiantaria somente eliminar o Dr. Zorndyke?



Embora Blue Submarine No. 6 termine os eventos fáticos apresentados na narrativa, verifica-se que o verdadeiro desfecho da saga ficou em aberto, visto que somente foi impedido um desenlace mais trágico ao planeta Terra. Porém, restou questionável a possibilidade real de os seres humanos e os híbridos conseguiram conviver harmoniosamente para construir um novo planeta Terra.

Fim dos spoilers.

Termino por aqui essa apresentação e análise de Blue Submarine No. 6 com a seguinte conclusão: estes quatro OVAs possuem alguns problemas bastante sérios, como uso do 3D em demasia e a trilha sonora, por vezes, deslocada; sem contar uma certa superficialidade dos personagens, em específico a tenente Kino, que apenas serve para ser a porta-voz dos anseios da humanidade, além de outros personagens pouco utilizados.



Quanto aos aspectos positivos, verifica-se os momentos de animação clássica em conjunto com o belo character design de Range Murata. Em relação ao tema proposto, é uma obra que abrange uma temática de ficção científica bastante interessante, sobre a relação do ser humano com o Planeta Terra, e todas as consequências advindas dessa convivência. É um tema que, embora muito trabalhado, é sempre bem vindo, devido ao grande número de desdobramentos que este tipo de história pode ter. Então, fico por aqui e até uma próxima.


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