Café com Anime - Junji Ito Collection Episódio 6


Bem vindos a mais um Café com Anime, e que episodio de nº 6 foi esse? Se não foi o melhor agora foi um dos melhores, dando destaque ao reflexivo Suave Adeus, que por sinal está na coletânea Fragmentos do Horror, publicada no Brasil. Para conversar sobre isso, eu, Gato de Ulthar, juntamente com o Diego do É Só Um Desenho, o Vinicius do Finisgeekis e Fábio "Mexicano" do  Anime21, nos reunimos do Café com Anime desta semana.

Eu já apresentei o projeto Café com Anime anteriormente, mas para os desavisados, eu, Gato de Ulthar, juntamente com outros amigos blogueiros, estamos realizando análises semanais de animes da temporada, a medida que os episódios forem saindo, tudo em forma de conversa entre os participantes. 

Se você tem interesse em conhecer nossas expectativas para esta temporada, leio nosso post introdutório:

CAFÉ COM ANIME - ESCOLHAS E EXPECTATIVAS PARA A TEMPORADA DE JANEIRO DE 2018.

Nesta temporada, o Dissidência Pop ficou responsável por publicar nossas conversas sobre o anime Mahoutsukai no Yome e Junji Ito: Collection, enquanto o É Só Um Desenho ficou responsável por Kokkoku. Já o Finisgeekis publicará nossa conversa sobre Cardcaptor Sakura: Clear Card-Hen. E no Anime21, temos as discussões sobre Violet Evergarden.


Também é possível acompanhar o Café com Anime e as conversas publicadas por aqui: Análises Semanais - Café com Anime, onde há um menu para acessar todos os episódios analisados, a medida quem forem lançados.


Gato de Ulthar-

E não é que Junji Ito: Collection não vem decepcionando nos últimos episódios? Pelo menos pra mim, esse episódio de número 6 fica facilmente entre os melhores até agora. O primeiro conto, sobre a vizinha esquisita, foi o primeiro até agora a quase me fazer sentir medo. A maneira como ela chamava pelo rapaz de noite me soou muito perturbadora. Claro que os méritos disso também são devidos a dublagem eficiente.
Entretanto, a cereja do bolo foi o segundo conto, Suave Adeus, que inclusive está incluso no mangá publicado no Brasil Fragmentos do Horror, e pra mim é a melhor "one-shot" desta antologia. É uma história bem tranquila, nem dá para ser considerada um horror propriamente dito, ela é suave como o título, com direito a uma reviravolta no final.
Assim sendo, inicio o este Café com Anime perguntando o que acharam deste episódio?

Diego-

Pra ser sincero, eu achei o primeiro conto bem qualquer coisa. Não foi ruim, o que de fato o coloca acima de muita coisa no anime até aqui, mas também não foi nada de mais pra mim. Não cheira nem fede, como coloca o dito. Mas o segundo conto foi mesmo bem legal, e um dos melhores até aqui. De fato não da pra chamar de horror realmente, mas traz algumas ideias bem interessantes e o twist final foi bem imprevisível (tinha certeza que o pai é que seria uma pós-imagem lol)

Fábio "Mexicano"-

Eu ainda não assisti, mas é isso mesmo, produção, o Diego gostou de Suave Adeus? Esse mundo ainda tem salvação!!
(quando li o Fragmentos do Horror, também passei a achar, na metade do conto, que seria o pai - sensacional)

Fábio "Mexicano"-

Agora assisti. Ok, o primeiro conto não foi grande coisa mesmo, não sei como o Gato sentiu medo. Talvez ele tenha algum trauma com mulheres mais velhas? :smile: Mas uma coisa ele fez certo: a quebra de expectativa. Tendemos a crer que o mal ali é só a criatura, no caso, a mulher, mas na verdade é a casa inteira. Isso acontece em outros contos do Junji Ito também. E falando em quebra de expectativa, Suave adeus é fantástico nisso, mas não é só um conto com quebra de expectativa, ao invés, ele usa isso apenas como uma ferramenta de sua narrativa sobre o luto (e, sem precisar forçar muito, sobre a auto-consciência da morte). Não tem nada de terror nele, e nem no mangá chega a ser assustador em momento algum, embora um pouco melhor desenvolvido, isso faz com que ele não seja exatamente um bom representante da obra de Junji Ito, mas independente disso acho-o um dos melhores contos dele.

Vinicius Marino-

Só eu que antecipei o twist de Suave Adeus a um quilômetro de distância? Comecei a assistir e pensei "nossa, isso é muito Sexto Sentido". Dito e feito: foi o twist-Sexto Sentido no final das contas.
Nada disso afetou minha apreciação do episódio. Compartilho o julgamento do Gato. Achei ambos os contos fortíssimos, com um destaque para o segundo. Como o Fábio bem disse, ele consegue ser uma ótima reflexão sobre o luto, usando o tema do horror como metáfora.
Confesso que, de início, pensei que terminaria com a mesma impressão do Diego sobre o primeiro conto. A ideia de mais uma pessoa feia tipificada como monstro pela mera virtude da sua feiura não me parecia atrativa. Porém, o episódio conseguiu trabalhar esse horror de forma muito mais eficiente que o episódio da Fuchi. A cena da criatura estendendo o varal - e, posteriormente, da casa se deformando para alcançar a janela - de fato trazem um frio na espinha

Gato de Ulthar-

Estou feliz pelo fato do Diego ter gostado minimamente do episódio! É um sinal claro e inequívoco do avanço na qualidade do anime! :P
Fábio, eu não tenho medo de mulheres velhas. O meu medo, nem sei se pode ser chamado de medo, estaria mais para uma grande tensão, foi como o Vinicius descreveu, "um frio na espinha", dando destaque para, por exemplo, a cena do varal, ou quando a velha senhora sussurra para o protagonista, afirmando que logo, logo o encontraria pessoalmente. Isso sim foi impactante, não a mera aparência da velha.

Fábio "Mexicano"-

Nem falei que era velha, só que era "mais velha" :smile: O protagonista é um adolescente, uma mulher de vinte e tantos já seria mais velha (essa do episódio disseram que é de meia idade - ainda não é velha, tecnicamente)

Gato de Ulthar-

Se ela é só de meia idade, está faltando um pouco de hidratante naquela pele! Devia ter se cuidado mais.
Vai me dizer que você rejeitaria esse convite tão insinuante? E perder a oportunidade de aprender muitas coisas com uma mulher mais madura.

Fábio "Mexicano"-

É mais de dar nojo do que de dar medo.

Gato de Ulthar-

Ai que está o ponto, o "frio na espinha" seria originado pelo contexto, sussurros ameaçadores de madrugada, uma presença obviamente maligna cada vez mais perto, as esquisitas tentativas de invasão, e a maior cara de pau de uma criatura demoníaca em tentar convencer o protagonista a se encontrar com ela.
Se ela fosse apenas uma senhora normal, só um pouco mais macabra, talvez com aqueles risquinhos debaixo dos olhos, como é característico do Junji Ito, o resultado não seria diferente.
Mas claro que a percepção de medo ou uma mera incomodação é algo bem particular.

Diego-

Numa situação dessas eu tiraria uma foto dela e levaria até a central de polícia mais próxima pedir um mandato de restrição. E de quebra dormiria ainda com uma faca perto do travesseiro, só por via das dúvidas :smile:
Na real, acho que esse é o problema de assombrações "antropomórficas". É difícil se sentir realmente assustado por algo que você pode, ao menos teoricamente, meter um murro na cara.
(Evidentemente minha fala não vale para assaltantes armados. E nisso vemos como a realidade pode ser mais assustadora que a ficção XD)

Fábio "Mexicano"-

(Eu já peitei assaltantes armados. Eu tenho problemas com a noção de "medo".)
(Não façam como eu, leitores, por favor)

Vinicius Marino-

Isso me lembra aquele quadro da menina fantasma do Silvio Santos. Em especial, dos seus críticos, que corretamente apontaram que uma das vítimas podia se desesperar e descer o sarrafo na pobre atriz

Fábio "Mexicano"

Há muitos anos vi um vídeo de pegadinha no qual um cara fica dentro de uma caixa de correio e joga pra fora o que as pessoas tentam postar. Até que um grandão se irrita, saca uma arma e descarrega ela dentro da caixa. Obviamente é tudo acertado, como quase toda pegadinha, mas é chocante de todo modo. As do SBT, se não me engano, são mais ou menos acertadas: as pessoas são informadas de que participarão de "algo", mas não exatamente do quê. É uma tentativa de meio termo entre segurança/respeito e surpresa.

Vinicius Marino-

De qualquer forma, esse desfecho seria um anticlímax para histórias de terror. E é para evitar isso que esses contos frequentemente trazem monstros que 1) só o protagonista é capaz de ver e/ou 2) que possuem uma existência extra-corpórea e não podem ser "acertados" de formas convencionais (incluindo aqui ser "capturado" por uma câmera).
O conto dessa semana foi pelo primeiro caminho. Vários clássicos do terror, de Freddy Krueger a Pennywise, vão pelo segundo.

Gato de Ulthar-

Além da aparência repugnante, de início era impossível saber se ela possuía algum poder sobrenatural ou não, até essa cena que por sinal é a última:
Realmente ela estava quase chegando nele. O desfecho desta história não sabemos, o que é uma característica bastante lovecraftiana que o Junji Ito usa e abusa.

Fábio "Mexicano"-

Como eu disse em um dos meus primeiros comentários, esse final esclareceu que a criatura era a casa inteira, e não só a mulher. Entrar na casa provavelmente é o mesmo que ser devorado.

Gato de Ulthar-

Verdade. Eu gosto bastante deste conceito de edifícios amaldiçoados onde eles próprios possuem uma espécie de proto-consciência, utilizando seus moradores ou hóspedes como marionetes, ou os manipulando de leve, de uma maneira sempre sutil. Um bom exemplo seria o hotel do O Iluminado, de Stephen King, além de A Queda da Casa de Usher, de Adgar Allan Poe.

Vinicius Marino-

Não consigo deixar de pensar no prédio de A Espiraldo Paradoxo, quinto filme de Kara no Kyoukai. Na trama, o vilão Souren Araya "funde" sua consciência a um edifício de apartamentos por meio de enrolações mágico-narrativas típicas de Type-Moon.

Gato de Ulthar-

Agora eu fiquei me questionando em relação ao que pensou a mãe do protagonista do primeiro conto ao afirmar que era uma casa muito bem localizada, mesmo estando ao lado de uma residência muito sombria.
Histórias de terror muitas vezes começam assim :stuck_out_tongue:

Fábio "Mexicano"-

Bom, o lugar deveria ser muito bom, exceto pela sinistra casa vizinha, que de todo modo só parecia uma casa velha e um pouco esquisita, não uma casa mal assombrada clássica.

Gato de Ulthar-

Falo mais pro mim mesmo. Antes de comprar a casa eu iria checar a vizinhança, se houvesse qualquer suspeita de uma casa abandonada com um estranho morador eu já pensaria duas vezes.

Vinicius Marino-

Sabem como é né? O mercado imobiliário japonês é bem complicado. País pequeno, alto custo do imóvel. Se vier uma oferta boa, é capaz do pessoal relevar os detalhes :stuck_out_tongue:

Gato de Ulthar

Faz sentido, uma casa vizinha mal cuidada e soturna já é um motivo para o preço do imóvel cair consideravelmente.

Fábio "Mexicano"-

Não é como se aqui em São Paulo fosse tudo muito barato de todo modo, a não ser que você vá morar no raio que o parta da periferia...

Diego-

Hey, sendo esperto sempre da pra comprar a própria casa mal assombrada e começar a cobrar visitação de curiosos :stuck_out_tongue:

Fábio "Mexicano"-

Conhece alguma que eu posso comprar por R$ 25,00?

Diego-

Por esse preço nem sendo uma casa de bonecas mal assombrada.

Fábio "Mexicano"-

Aí você me prejudica...

Gato de Ulthar-

Ou ainda é possível "criar" uma assombração. Nem que seja em um barraco na beira da estrada, invetamos que alguém foi assassinado ali ou outras coisas do gênero.
Chegou a hora de falar do ponto alto do episódio, o Suave Adeus. O que vocês acham do conceito de "pós-imagem" levantado pelo conto, acham que é um método válido para atenuar a perda de um ente querido, ou apenas uma forma para dificultar mais ainda o adeus ao parente morto, uma forma de escapismo da realidade?

Fábio "Mexicano"-

Isso não é só um conceito. Bom, a pós-imagem sim é, mas continuar vivendo por anos com entes queridos já mortos como se estivessem vivos é um costume que existe no mundo real. Conheçam os indonésios de Toraja: http://www.bbc.com/news/magazine-39603771
BBC News
What is it like when the dead are a constant part of day-to-day life?
Eles vivem literalmente com os cadáveres de seus parentes mortos por meses ou anos, e os tratam como se ainda estivessem vivos.
Provavelmente a forma como lidamos com a morte é um dos aspectos mais fascinantes de qualquer cultura humana existente ou que já tenha existido. Acreditamos em mundos no além-vida, realizamos cerimônias complexas, escolha aí. Não existe população humana que lide com a morte como apenas o fim da vida.

Diego-

É tentador dizer que essas pós-imagens são um tipo de escapismo, mas no fim acho que é apenas uma outra forma de lidar com a morte.

Fábio "Mexicano"-

Bom, formas de lidar com a morte podem ser escapistas :smile:

Vinicius Marino-

Não parecer ser o caso desse povo da Indonésia. Que, diga-se de passagem, não foi o único. Nos Andes pré-colombianos, as pessoas se mumificavam naturalmente em razão do frio e do ar rarefeito. As múmias de entes queridos eram consideradas pessoas e inclusive levadas para celebrações especiais.
Nem precisa ir tão longe. Na própria Europa na Idade Média as relíquias dos santos eram consideradas, legalmente, santos. Ao se trazer a relíquia para uma assembleia, era como se o santo estivesse presente. Ao jurar sobre as relíquias, jurava-se sobre o santo.
Acho que se trata muito mais de uma concepção distinta de "morte".
Curiosamente, não é o caso da família do episódio, que sabe que o que fazem é uma mentira.
Encarei o episódio muito mais como uma metáfora daquilo que acontece naturalmente com todos nós: morremos e somos esquecidos. Mesmo por nossas famílias. No início, deixamos um vácuo, mas com o passar das gerações, nossos descendentes sequer se lembram do nosso novo.

Fábio "Mexicano"-

Você deu uma olhada na notícia, Vinícius? A família entrevistada também sabe que seu parente está morto, e reconhece que isso é uma forma de lidar com a despedida. É muito parecido com Suave Adeus, a ponto de eu me perguntar se essa não foi a inspiração do Junji Ito. É um dos contos recentes do autor, afinal.

Vinicius Marino-

Hoje, talvez? Eles são cristãos, emulando um ritual de outros tempos. Mas a prática é oriunda de uma religião animística, que decerto tinha critérios de "vida" e "morte" muito diferentes dos nossos.
Mas sim, concordo que possa ter sido uma inspiração. Muito embora, por algum motivo, o argumento do conto me lembre muito mais as histórias sci fi que buscam recriar memórias de pessoas já mortas.

Fábio "Mexicano"-

Ah sim, de acordo. Certamente existem várias nuances, formas de interpretar, em diferentes pessoas daquele povo. Provavelmente os mais "tradicionais" nem permitissem que uma estrangeira tivesse contato com eles? Enfim.

Gato de Ulthar-

Este é um tema polêmico, é um tanto complicado julgar o próximo nestas questões do luto e da memoria do falecido. Assim sendo, penso que foi um episódio interessante para pensarmos um pouco neste assunto.
Acho que ao fim deste bate-papo, chegamos ao consenso de que este foi o melhor episódio até o momento, tomara que o próximo não deixe a desejar!

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