Super-Conductive Brains Parataxix. A eterna questão da humanidade.



E Shintaro Kago dá as caras novamente no Dissidência Pop! Para quem não sabe, Shintaro Kago é um dos maiores expoentes do ero-guro, tendo o mérito de misturar os temas grotescos comuns ao gênero com uma boa dose de humor negro, criando um trabalho único. Desta vez apresentarei uma de suas obras mais acessíveis ao público geral, sem o usual erótico grotesco que lhe é habitual, mas não por isso menos bizarra, trata-se do surpreendente mangá sci-fi Super-Conductive Brains - Parataxis.



Quando digo que Super-Conductive Brains é uma obra não tão pesada e destituída dos elementos que caracterizam o erótico grotesco, não quero dizer que ela não possua violência e uma boa quantidade de sangue, muito pelo contrário. Entretanto, ela é acessível o suficiente para ser publicada em uma revista famosa, e não apenas em certas publicações voltadas ao nicho dos apreciadores do ero-guro, como a maioria das obras publicadas por Shintaro Kago, que estão repletas de violência, horror, todo tipo de absurdos e uma certa quantidade de pornografia.

Super-Conductive Brains foi publicado em 2001 na revista Young Jump, lar de mangás como Gantz, Tokyo Ghoul, Elfen Lied e Terraformars, sem sombra de dúvidas obras com um conteúdo visual bastante pesado. Por isso digo que Super-Conductive Brains, mesmo sendo uma obra amenizada de Shintaro kago em comparações com seu vasto material publicado, não perde alguns dos elementos que marcam a sua obra, como a violência gráfica e o timing perfeito no uso do humor negro, propiciando uma sensação de "choque" no leitor.



Shintaro Kago se diferencia dos habituais mangakás do ero-guro. Seu objetivo não é apenas retratar uma cena de pornografia com alguns elementos de violência bestial, como um monte de hentais com garotas mutiladas e sodomizadas por todo tipo de criaturas e psicopatas. Seu estilo é comparável com os grandes mestres do gênero, como Suehiro Maruo. Tanto Maruo como Kago, contam em suas histórias, sempre complexas, mais do que violência gratuita, os elementos grotescos possuem a função de chocar e contestar, não são um fim, mas um meio.

Agora falando diretamente de Super-Conductive Brains, é provavelmente uma das coisas mais bizarras que você vai ler em sua vida. Em resumo, o mangá apresenta várias histórias que se passam em um mesmo universo, onde seres biomecânicos gigantes (Surdlers) são utilizados para todo o tipo de propósito. Esses seres mecânicos são humanos gigantes (somente mulheres) que são desmembrados e remodelados para servirem como máquinas, sejam para transporte (carros, trens), militar ou indústria, como escavadeiras e tratores.



Nem é preciso dizer mais nada para atestar o grau de bizarrice dessa obra, o mote utilizado fala por si mesmo. Esses seres biomecânicos, como vocês podem ver nas imagens, são um remodelamento grotesco de um ser humano, dedos sendo utilizados ao invés de rodas para mover um carro, braços e mãos como uma pá de uma escavadeira, e outras bizarrices do mesmo gênero. Esse recurso já foi explorado por Shintaro kago em Greater East-Asian Co-Prosperity Sphere, onde o Japão na Segunda Guerra Mundial desenvolveu uma tecnologia para aumentar as mulheres e transformá-las em tanques de guerra.

Mas nem só da exposição desses seres biomecânicos em um cenário futurista vive Super-Conductive Brains. O objetivo da obra é mais denso do que apenas chocar o leitor com essas bizarrices, é mostrar uma das questões mais recorrentes em obras de ficção científica, desde o clássico de Philip K. Dick, "Androides Sonham Com Ovelhas Elétricas?", quando se discute em relação a ciborgues e robôs, a questão da sua humanidade. Seriam essas criaturas apenas máquinas desprovidas de sentimentos, ou seriam realmente seres vivos dignos de respeito?



Segundo o enredo de Super-Conductive Brains, apenas superficialmente, já que a história promete uma série de plot-twists, esses seres seriam uma raça antiga de gigantes, já extinta, a qual um de seus remanescentes fósseis teriam sido clonados extensivamente para serem utilizados como maquinário. Os clones são desprovidos de um cérebro pensante, o qual é inclusive descartado, quando são modificados para virarem uma máquina.

O fato de somente mulheres serem usadas como máquinas é facilmente explicável, mesmo que não haja uma confirmação no mangá, pelo fato de que muito provavelmente o gigante que foi clonado ter sido uma mulher. Mas enfim, o roteiro, mesmo episódico, avança num contexto temporal, sendo mostrado ao longo da leitura, a resolução dos mistérios que envolvem esta curiosa e bizarra sociedade, sempre intensificando o debate sobre o que define um ser vivo, e se estes gigantes podem ser considerados como tal.



Super-Conductive Brains é dividido em 6 capítulos denominados PARATAXIS, sendo que na verdade contam como 8, já que há os capítulos 3 ¹/² e 4 1¹/². Shintaro Kago inova até mesmo na maneira como divide o capítulo, confesso que nunca havia visto antes um ser dividido com uso de fração. Fazendo um breve resumo de cada capítulo para situar o leitor, começamos pela PARATAXIS 1, a história que mostra de melhor forma a eterna questão "o que forma um ser humano?"

Nesta história um cientista tenta salvar uma Surdler, a qual ele ensinou a falar e se comportar como um humano normal. Naturalmente, eles foram perseguidos. Assim, a história gira em torno desta tentativa de por ela em liberdade. O mais importante foi a tentativa dele provar que eles são seres humanos, porém somente maiores, mostrando a capacidade de falar e, principalmente, sentir dor, não devendo ser utilizados como máquinas. É mostrado que os habitantes realmente tem a consciência de que os Surdlers foram em um passado remoto seres vivos como eles.



A PARATAXIS 2 muda de tom, e coloca mais lenha na fogueira. Ao invés de se passar em uma grande cidade, o conto se passa em uma vila. Roasta e sua mãe vivem nela, mas por algum motivo são mau vistos pela população. Um belo dia, Roasta e dois garotos encontram uma Surdler selvagem perdida na floresta, algo incomum. Ao invés de matá-la, resolvem criá-la como um bicho de estimação, alimentando-a com pedações de outros Surdlers desativados. Sim, ela vira canibal. Esse ato irá acarretar sérias consequências.

Em PARATAXIS 3 é apresentada uma nova tecnologia para o uso dos Surdlers, uma espécie de conexão neural, na qual é possível controlar umas destas biomáquinas à distância, ligando o cérebro do piloto com os nervos e órgãos do Surdler. Essa tecnologia é utilizada por uma força policial para o combate de crimes e ataques terroristas. Entretanto, a conexão neural irá se mostrar mais perigosa do que parece, quando o piloto e a máquina não mais conseguirem dissociar suas mentes. Um conto sobre a insanidade.



Já na PARATAXIX 3 ¹/², percebemos que há algo de errado naquela cidade. As pessoas simplesmente não engravidam! A reprodução não se dá da maneira habitual, é algo bastante burocrático. Quando alguém resolve ter um filho, deve apresentar no órgãos especial o DNA dos pais, e cultivar a criança em tubos! Um procedimento caro e demorado. O choque se torna maior quando se percebe que as crianças não são mais que meros objetos, sendo descartadas quando os pais se cansam de cultivá-las. Na verdade não é muito diferente do que acontece na vida real.

Difícil falar sobre a PARATAXIX 4 sem falar substancialmente sobre pontos importantes e fundamentais do enredo. Resumindo, neste capítulo é apresentada a real natureza dos Surdlers com um plot Twist interessante, finalmente revelando se eles são humanos ou não. Neste capítulo, bem como no 4 ¹/² ainda questiona a própria humanidade dos habitantes da cidade que usam os gigantes bio-mecânicas, uma verdadeira inversão de papéis. PARATAXIS 5 e 6 são complementares se aprofundando nas descobertas já obtidas no capítulo e propiciando um clímax geral para o mangá.



Nesses capítulos há a inserção de alguns elementos muito bizarros. Destaco principalmente um fenômeno entre os Surdlers, a capacidade de se reproduzirem. No enredo as máquinas começam do nada a criar uma protuberância na barriga, e depois de um tempo, dão à luz a uma criança normal, sendo essas crianças prontamente eliminadas. A ideia por trás disso é interessante, como há somente mulheres entre os Surdlers, seus organismos se adaptaram para a autofecundação, sem a necessidade de um parceiro sexual, comportamento visto em algumas espécies de animais.

Mesclando todos esses elementos trabalhados ao longo do mangá, Super-Conductive Brains termina. Quanto ao final, foi o esperado diante do desenrolar do enredo. Muitas questões morais foram levantadas nesta parte final do mangá, principalmente o "dilema do genocídio", uma solução final na qual o resultado é o completo extermínio dos seus inimigos. Qual lado está certo, qual está errado? Para sobreviver de uma morte certa das mãos dos seus inimigos é lícito a realização de um extermínio em massa?



Sem dúvidas, foi um final condizente com o espírito da obra. O decurso do mangá conseguiu inserir umas boas reviravoltas do enredo, apresentando umas soluções e explicações aparentemente surreais, mas que se bem analisadas fazem bastante sentido. nada é o que parece, as vezes o que não parece humano o é e o que parece não é.

No que concerne a arte do mangá, não difere do estilo próprio de Shintaro Kago. Os seus personagens e ambientes são bem trabalhados, embora demasiadamente ricos em detalhes, conseguem passar um realismo eficiente. O destaque de sua obra é sem sombra de dúvidas o aspecto grotesco da obra. Os Surdlers são muito bem bolados, sua caracterização é genial, somente uma mente como a de Kago para brincar de quebra-cabeça com as partes do corpo humano.



A violência física, as tripas e o sangue também merecem destaque pela qualidade da representação. Bem, há ainda um outro ponto que difere um pouco Super-Conductive Brains das suas outras obras, as "pessoas normais" do mangá possuem uma estilização única, não tanto pela maneira de se vestir, mas como pelos rostos e outros detalhes. São mais simplificados do que o habitual, possuindo uma aparência um tanto mais cartunescas se comparada com a aparência bem humana dos Surdlers.

fanservice em Super-Conductive Brains? Ou melhor dizendo, há apelação sexual no mangá? Bom, as gigantes biomecânicas estão sempre nuas, mas estão tão longe de serem considerados humanas propriamente ditas, que você deve ter alguma problema se sentir atraído por uma máquina composta por várias partes de mulheres. Elas estarem nuas é plenamente aceitável, por acaso alguém coloca roupas em uma máquina?



Concluindo, Super-Conductive Brains não é uma obra fácil de digerir, mesmo sendo a mais "amena" do autor, diante da ausência de pornografia e outros elementos pesados, o senso comum obriga-nos a torcer o nariz diante do nível de bizarrice empregado. Quebrando a barreira da repulsa do senso comum, Super-Conductive Brains é uma obra fantástica, um roteiro intricado de ficção científica, o qual brinca com o conceito de ser humano. É uma obra irônica por natureza, que nos faz questionar sobre alguns dos mais antigos dilemas da humanidade.

Assim, espero ter convencido você a dar uma chance a este curioso mangá, mesmo que não adorá-lo, aposto que será uma experiência única e marcante. É o tipo de obra que se deve amar ou odiar, não cabe uma análise morna. Entretanto, se você é como eu e gosta de ler um material diferente e curioso, bem como de uma interessante aventura de ficção científica, Super-Conductive Brains é uma boa pedida. Espero que tenham apreciado este texto, não deixem de comentar a sua opinião!


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